Macau é, após o Retorno à Pátria, a melhor ponte para o Diálogo entre os Países de Língua Portuguesa e a China
Macau é, após o Retorno à Pátria, a melhor ponte para o Diálogo entre os Países de Língua Portuguesa e a China
Macau é uma preciosa e bela pérola nas margens do rio que, no Ocidente, desde tempos longínquos, é conhecido como o Rio das Pérolas. É uma cidade de antigas origens que regressou à Pátria chinesa há já 21 anos (20 de dezembro de 1999), graças a um pacífico, longo e inteligente processo de negociação desenvolvido entre o Governo da República Popular da China (RPC) e o Governo da República de Portugal (RP).
Este pacífico processo de transição enquadra-se no âmbito de um país – dois sistemas, o qual tem permitido à Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) modernizar-se e desenvolver-se de forma extraordinariamente rápida, mas com respeito pelo sistema jurídico e a autonomia política, com governo próprio, e o respeito pela diversidade multicultural e multiétnica da sua população.
O respeito do governo da RPC e do governo da RAEM, pelo acordo de transferência de soberania de Macau, têm permitido um enorme crescimento e desenvolvimento a Macau que nem os analistas mais otimistas anteviram (é dos territórios com maior PIB per capita do mundo, acumulando grandes ativos de reserva orçamental e de divisas e com uma dívida pública de 0% segundo o próprio FMI).
Querendo conciliar da forma o mais harmoniosa possível a transferência e integração completa de Macau na mãe pátria, a China estabeleceu um período de transição de 50 anos, em que Macau manterá o Português, a par da língua chinesa, como línguas oficiais da administração; poderá desenvolver as manifestações religiosas e culturais inerentes; manterá o corpus jurídico de base portuguesa, enquadrado, naturalmente, pela constituição chinesa. No contexto contemporâneo pós-colonial este sistema de reintegração de Macau e Hong-Kong na pátria mãe é muito inovador e tolerante, pois a China aceitou quer o sistema legal preexistente, quer a autonomia total da administração chinesa, (com exceção dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Defesa).
O governo da China compreendeu muito bem a vantagem que as raízes, as ligações histórico-culturais e económicas da cidade de Macau e, em especial, o facto de ter estado integrada no Império Português conjuntamente com Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor, durante cinco séculos. Neste contexto, o governo da RPC quis privilegiar Macau e esta sua experiência ao fundar, na RAEM, a plataforma oficial da China para as relações económicas e culturais com os Países Lusófonos – o “Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa”, instituído em 2003 e vulgarmente conhecido por Fórum Macau.
O governo chinês da RAEM tem tido uma extraordinária sensibilidade na preservação do património histórico construído de origem portuguesa. A China concretizou um anseio de há muito acalentado pela População de Macau, ao conseguir que o Centro Histórico da Cidade fosse inscrito na muito exclusiva lista da UNESCO de Património da Humanidade. O governo da RAEM deu continuidade à recuperação dos edifícios históricos da cidade e alargou a extensão de ruas e praças com a típica calçada portuguesa, mesmo onde não existia anteriormente. Tem promovido, de forma determinada, o ensino da Língua Portuguesa no território em todos os níveis de ensino, do primário ao universitário e o apoio à formação de formadores para o Ensino da Língua Portuguesa na China continental (a Universidade de Macau e o Instituto Politécnico são disso bons exemplos).
A RAEM tem incentivado o intercâmbio com as culturas que se expressam em Língua Portuguesa, nomeadamente no apoio à organização de encontros artísticos (como o festival anual dos países de Língua Portuguesa), literários e científicos, e tem apoiado financeiramente a edição em língua portuguesa de vários jornais, bem como de uma Biblioteca Digital com todas as obras publicadas sobre Macau/China entre os séculos 16 e 19 (disponíveis para leitura gratuita em http://observatoriodachina.org/index.php/pt/fontes-macau-china ou http://purl.pt/26918/1/PT/index.html).
Pessoalmente, tive o privilégio de conhecer Macau antes e depois da transferência de poderes da administração portuguesa para a República Popular da China.
Visitei Macau pela primeira vez no ano de 1991, depois de ter participado nas Conferências de Guangzhou e de Quanzhou, sobre o papel destas cidades e da China na criação e desenvolvimento das milenares Rotas da Seda. Estas conferências foram organizadas no âmbito da Expedição Marítima do projeto da UNESCO – “Integral Study of the Silk Roads: Roads of Dialogue”, que se iniciou em Veneza e terminou em Osaka, entre outubro de 1990 e março de 1991. Participei, integrado naquela expedição da UNESCO, nas conferências realizadas na Tailândia, no Brunei, nas Filipinas, na China, na Coreia do Sul e no Japão.
Tenho regressado quase todos os anos a Macau, sendo que a última vez foi no verão de 2019, a convite do Governo da RAEM, para proferir a palestra “Macau reforça-se como plataforma multicultural, pioneira na ligação entre a Grande Baía de Guangdong e o Ocidente”, inserida no Fórum Internacional a “Missão Cultural da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau” (Macau, agosto de 2019). A cada visita, Macau surpreende-me pela capacidade de integrar a mudança, nas mais diversas áreas, em harmonia com a sua história.
Na nossa opinião é importante constatar que a concretização permanente de “Um País- Dois Sistemas”, tem vindo a permitir a participação ativa de Macau na construção do espaço da Grande Baía de Guangdong, que é de grande importância geoestratégica para o futuro da diversificação económica de Macau, garante de uma maior sustentabilidade de recursos e de aplicações em áreas não dependente só da indústria do lazer, bem como da defesa da riqueza multicultural e da identidade de Macau.
Com raízes no passado se constrói um melhor presente e futuro pacífico e sustentável!
Rui Lourido
Historiador
Lisboa, 14/12/2020