As facilidades da língua, a proximidade cultural, a receptividade que os brasileiros têm quando lá chegam, aliadas a um dos menores custos de vida da Europa, à segurança, à qualidade dos serviços prestados pelo poder público e outras questões, tem feito com que muitas pessoas nascidas no Ceará, e no Brasil, estejam se mudando para Portugal. E há, também, aqueles que vão para estudar ou mesmo para montar algum tipo de negócio, realizando investimentos e levando novas oportunidades para aquele país situado do outro lado do Oceano Atlântico. E para falar um pouco sobre essas situações, a vice-cônsul de Portugal para o Ceará e Piauí, Ana Cristina Pedroso, esteve no Jornal O Estado e explicou um pouco sobre as atividades da representação diplomática portuguesa, sediada no Ceará.
O Estado: A senhora é uma representante da diplomacia portuguesa no Brasil e está há quanto tempo aqui no Estado?
Ana Cristina Pedroso: Pertenço aos quadros do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Vim de Lisboa há cerca de dois anos e aqui estou prestando um serviço diplomático, para auxiliar brasileiros que desejam mudar para Portugal, bem como portugueses que estão vindo para o Brasil.
OE: E como foi essa mudança?
ACP: Tranquila. Eu não conhecia o Brasil. Trabalhei quase sempre juntos dos serviços em Lisboa, sempre com portugueses no exterior. Sempre trabalhei na área de emigração e da imigração também. Fiz alguns trabalhos na Comissão Europeia, outros juntos à OCDE e 22 anos no Ministério de Negócios Estrangeiros. Primeiro algo mais ligado à política e, depois, em novos assuntos consulares e comunidades portuguesas. Portanto, sempre atuava nas emigrações, ligadas aos portugueses no estrangeiro. Fazia falta ter a visão dos portugueses desse lado, não lá. É sempre uma visão diferente, uma oportunidade de conhecer mais de perto a comunidade, as suas dificuldades e verificar, como portugueses são tão corajosos de emigrar para o outro lado do oceano. É um trabalho muito gratificante para mim.
OE: Temos aqui no Ceará grandes grupos portugueses trabalhando na área de hotelaria, construção civil, energias renováveis. E como esses empresários recebem o apoio do consulado aqui?
ACP: Eles estão sempre muito próximos à toda rede consular, quer da construção, energias renováveis, a Câmara de Comércio (Brasil-Portugal) porque congrega vários empresários e procuram sempre o Vice Consulado de Portugal, em Fortaleza. Trata-se de uma instituição muito eficiente que também existe aqui em Fortaleza, que sempre têm feito um bom trabalho. O Vice Consulado está sempre presente para fazer a ponte desses empresários com outras instituições lá fora, com outros países, encaminhá-los para outras áreas que também podem ser atrativas.
OE: Como por exemplo?
ACP: A Câmara celebrou um protocolo com a Câmara que está estabelecida em Paris, a Câmara Luso-Francesa e todo esse trabalho acaba envolvendo o Consulado. E é importante que o Consulado esteja sempre envolvido nas atividades dessas instituições, da Câmara de Comércio, dos empresários, para projetar essa imagem para Portugal, como os empresários estão aqui a trabalhar, dos seus sucesso, que são muitos, quer na área do turismo, quer na área de energias, quer na área da construção. E isso valoriza o nome de Portugal.
OE: Hotelaria também é muito forte. Temos o Grupo Vila Galé aqui e muitos outros.
ACP: Exatamente. Temos o Vila Galé, Dom Pedro, Luzeiros, grandes redes hoteleiras trabalhando no Ceará. E temos ainda uma outra grande área, que está há muito tempo enraizada aqui no Ceará, que é originária de uma família portuguesa, que é a família M. Dias Branco, que engrandece muito também o nome de Portugal, que também colabora muito com as atividades do Vice Consulado e que está ligada ao setor alimentar, que é um investimento importantíssimo que temos aqui no Ceará.
OE: O Grupo M. Dias Branco é um dos maiores do Brasil, com empreendimentos em diversos estados de Norte a Sul do Brasil. E nos mais variados setores?
ACP: Exatamente, é um investimento imenso. São pessoas de grande coragem e de muito sucesso. É uma honra conhecê-las, trabalhar com elas e é importante para Portugal o trabalho que elas fazem fora do nosso País.
OE: E o Vice Consulado também trabalha no sentido de dar apoio aos brasileiros que querem ir conhecer ou investir em Portugal?
ACP: Essa é a maior parte do trabalho. Dar informação aos brasileiros que querem estudar, viajar, residir ou investir em Portugal. A maior parte do nosso trabalho, hoje, é para os cidadão brasileiros. O turista que precisa de apoio na renovação de seus documentos, sejam quais forem as situações. Mas grande parte do nosso trabalho aqui o posto consular é de informação ao cidadão brasileiro que quer ir para Portugal residir, estudar, licenciar, tirar mestrado, doutoramento, ou viver lá uma vida tranquila com os seus rendimentos de aposentado. Conhecer Portugal, realizar turismo ou até mesmo investir. E temos várias pessoas que já fizeram investimentos lá, que tiveram acesso para isso, vocacionado para áreas menos desenvolvidas do país, que estão com uma baixa demografia e tentar captar investimentos estrangeiros de forma a haver mais oportunidade de trabalho e também para captar um maior número de pessoas para aquela região, mais afastada do litoral, onde se concentram as maiores cidades. Verificou-se durante um período um êxodo rural e estamos tentando captar essas pessoas para voltar a povoar o interior, que ficou de uma certa forma desertificado. É uma zona importante para agricultura, fábricas têxteis.
OE: E que outras áreas profissionais têm procurado Portugal?
ACP: Temos muitos médicos perguntando como podem realizar algum investimento em Portugal, assim como pessoas do setor de informática. O reconhecimento por licenciaturas é relativamente fácil, junto às universidades e é um processo que leva de seis a oito meses, para que a pessoa tenha reconhecida a sua licenciatura, possibilitando o exercício da sua atividade profissional em Portugal e, posteriormente, pode até solicitar autorização de residência permanente em nosso país.
OE: A companhia aérea TAP completou, recentemente, 20 anos da linha Lisboa Fortaleza. Isso colaborou para a expansão das relações entre o Ceará e Portugal?
ACP: Ajuda imensamente. Aquelas distâncias geográficas que significavam uma grande barreira há muitos anos, não existem mais. Antigamente, famílias passavam anos sem se ver. Hoje, tendo o avião, diariamente, de Lisboa a Fortaleza, é como quem vai a Cascais, passa a tornar comum que muitas pessoas, quer sejam portuguesas, ou brasileiras, vão passar o tempo de verão por lá e, quando o inverno chega, passam aqui. Ou seja, seis meses lá, seis meses cá.
OE: E essa mistura de culturas, para as crianças, é muito bom?
ACP: É muito rico, isso. E é o futuro, pois ninguém trabalha mais em um só país, mas em dois ou três, e é preciso viajar em suas carreiras profissionais.
OE: Hoje, brasileiros que tenham ascendentes em Portugal, podem solicitar a cidadania portuguesa. E o vice-consulado também oferece apoio?
ACP: Ajudamos a obter todos os documentos necessários, fornecemos os formulários e, depois, ´dirigido para os serviços em Lisboa, onde é de fato tratado todo o processo. Dizemos quais são os documentos necessários a serem juntados para provar a sua ligação à comunidade portuguesa. Não é um processo rápido, mas porque são tantos os pedidos que estão chegando de cidadania, que em média deve demorar um ano.
OE: Por causa de tudo isso que já falamos, muita gente está buscando fazer novos investimentos em Portugal?
ACP: Já fui procurada por pessoas de várias áreas que pretendem investir em Portugal, e algumas já investiram. Quer de veículos, empresa de informática, óleos de coco, azeite, vinhos, entre outras. Todas essas áreas já foram procuradas informações sobre como realizar investimento por lá. Assim como do programa que visa criar trabalho e combater a desertificação do país, em regiões mais afastadas, inclusive os arquipélagos da Madeira e dos Açores. Houve muitos pedidos de visto de investimento, com base no Programa Portugal 2020. A área de informática é muito demanda também.
OE: Nesse momento que é o fluxo mais intenso. Do Brasil para Portugal, ou de lá para cá?
ACP: Hoje, com certeza, daqui para lá. Tanto na área de investimento, como em viver bem, num lugar seguro. E há investidores que procuram Portugal porque está dentro da União Europeia (UE) e, posteriormente, buscar investir em outros estados membros da UE. Quem vai estudar, ou pretende levar suas famílias, encontram em Portugal um lugar muito seguro e interessante para se viver.
OE: A União Europeia teve um papel importante na mudança do perfil de Portugal nas suas relações com o restante do mundo. E o Brasil também teve participação nisso?
ACP: Claro. Por uma questão muito prática. Portugal, assim como outros países da UE sofre com o envelhecimento da população. As pessoas têm cada vez menos filho, e precisamos resolver esse problema na Europa, rapidamente. Falta de mão de obra e de jovens. Então, é mais fácil facilitar a imigração. E queremos receber com muita facilidade as pessoas que vêm de outros países. Há muitas dificuldades? Claro que há. Há choques culturais? Claro que há. Mas, basta ultrapassar essas barreiras viver, porque é sempre melhor aprender outras culturas. Já me é difícil dizer que uma pessoa é estrangeira. Somos todos cidadãos do mundo.
OE: Portugal tem uma extensão territorial pequena, perto do Brasil, tanto que desenvolveu usinas de produção de energia eólica dentro do mar?
ACP: Exatamente. Estamos sempre procurando produzir energias limpas, para reduzirmos o consumo de derivados do petróleo. Lá já existem muitos carros híbridos, movidos a gasolina e energia elétrica. Tanto que é comum encontrar, em estacionamentos, dezenas de tomadas para recarregar as baterias desses veículos.
OE: Estamos próximos de comemorar o Dia de Portugal, como vai ser isso?
ACP: O Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas é comemorado no dia dez de junho, no mundo inteiro, assim como no Ceará. Habitualmente é feita na Sociedade Beneficente Portuguesa, que é bastante antiga e faz um trabalho muito interessante. E tem os espetáculos com danças típicas de Portugal. Este ano, junto com o Conselho Consultivo, resolvemos recriar uma “Noite de Fados”, como existe em Lisboa. Tem de ser em um ambiente fechado, por causa dos instrumentos utilizados e a própria voz da cantora. Procuramos o apoio da família Dias Branco, que foi fantástico, e vamos fazer no Hotel Praia Centro, no dia 9 de junho, devido à agenda da fadista Marli, que vem de São Paulo com os dois guitarristas que a acompanham. Eles fazem shows em vários locais do Brasil e estarão aqui em Fortaleza, para comemorarmos a Noite de Portugal.
OE: Você falou que Fortaleza, há muito tempo, foi chamada de Nova Lisboa. Como isso aconteceu?
ACP: Aquiraz foi a primeira capital do Ceará e, depois foi Fortaleza. Mas depois de algum tempo, talvez por situar-se mais perto de Lisboa. Não sei exatamente, mas sei que chegou a chamar-se Nova Lisboa.
OE: E qual a sua mensagem final para os cearenses e os brasileiros?
ACP: Aprofundar as relações entre Portugal e Brasil será sempre enriquecedor e bom para os dois lados. Nos anos 50 e 60 muitos portugueses vieram para cá e foram muito bem recebidos. E, hoje, verificamos no sentido inversos, os brasileiros indo para Portugal e também sendo recebidos da melhor maneira possível. Quem precisar de nosso apoio podem nos procurar na Rua Vicente Linhares, 521, 16º andar, ou pelo e-mail fortaleza@mne.pt.
Fonte: Jornal O Estado do Ceará em 30.04.18