A integração dos ecossistemas de inovação do Brasil e de Portugal no contexto do Web Summit
Na semana em que se realiza em Lisboa o Web Summit, uma das mais importantes conferências de tecnologia e inovação da Europa e do mundo, a mobilização de dezenas de milhares de pessoas em torno do evento nos lembra de como o crescimento de inovações disruptivas nas últimas décadas tem mudado nossas vidas em ritmo vertiginoso.
Para alguém da minha geração, que viu uma típica empresa líder de mercado crescer durante décadas por meio do contínuo aprefeiçomento do seu negócio principal ou do hábil aproveitamento de conjunturas econômicas, inteirar-se de que, na próxima década, a maior parte das receitas de empresas de sucesso irá derivar de produtos ou modelos de negócios que ainda não existem nos dias de hoje é uma constatação impactante. Nessa nova realidade, em vez de apenas expandir mercados existentes, as empresas criam mercados totalmente novos e inusitados.
É por esse motivo que eventos como o Web Summit despertam tanto interesse nos mais variados setores do empreendedorismo, da academia, da imprensa e dos governos. Todos queremos conhecer as inovações revolucionárias que influenciarão nossos caminhos no futuro.
Como Embaixador do Brasil em Portugal, este será meu terceiro Web Summit em Lisboa. Nesse período, pude testemunhar como o interesse de startups e empreendedores brasileiros pelo evento e pelo ecossistema de inovação português aumentou: em 2022, tivemos cerca de 600 participantes brasileiros; no ano passado, foram em torno de mil; e, neste ano, esperamos superar esse número. Os participantes se desdobram entre integrantes de missões de internacionalização da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos; do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas; e de consultorias privadas; além de representantes de governos municipais e estaduais e do Governo Federal.
A franquia Web Summit conta, desde 2023, com edições no Rio de Janeiro, no primeiro semestre do ano. Trata-se do principal evento dessa natureza na América Latina. A edição de 2024 no Riocentro contou com mais de 30 mil participantes, mais de mil startups e cerca de 500 investidores de mais de 100 países. Portugal foi responsável pela segunda maior delegação estrangeira na edição carioca do Web Summit, com 31 startups, atrás apenas dos Estados Unidos.
No Web Summit de Lisboa deste ano, o tradicional estande institucional do Brasil, um dos maiores do evento, com grande afluência de público, terá novamente uma programação diversificada, com sessões de “pitch” de startups brasileiras e de “pitch” reverso de delegações estrangeiras; apresentações sobre as estratégias nacionais de bioeconomia, inteligência artificial e transição energética e suas respectivas ações de apoio a startups; e paineis de discussão sobre temas como transição digital no turismo, inteligência artificial generativa, cooperação entre instituições científicas e tecnológicas (ICTs) e empresas, apoio ao empreendedorismo feminino e parques tecnológicos brasileiros; entre muitas outras atividades.
Em 2024, teremos novamente startups brasileiras concorrendo na competição do Web Summit de melhor “pitch”. Esperamos poder repetir o desempenho do ano passado, quando a Inspira, uma “legaltech” brasileira que trabalha com inteligência artificial para oferecer conteúdo sobre leis e jurisprudências, foi a grande vencedora do concurso de startups do Web Summit , dentre as 105 concorrentes, e a primeira startup latino-americana na história a ganhar a competição.
O Web Summit tem sido muito importante nos últimos anos para o desenvolvimento dos três eixos da diplomacia brasileira na área da inovação: promover a imagem do Brasil como economia inovadora; conectar agentes brasileiros e estrangeiros; e promover a internacionalização do ecossistema brasileiro de inovação.
Em um mundo cada vez mais digital, em que não há fronteiras, o desenvolvimento do ecossistema de inovação do Brasil – que conta hoje com mais de 13 mil startups e cerca de 30 unicórnios – passa necessariamente pela internacionalização. No vibrante ecossistema de inovação português, que ocupa a posição de 31º país mais inovador do mundo de acordo com o Índice Global de Inovação de 2024 da Organização Mundial da Propriedade Intelectual, empreendedores brasileiros têm encontrado oportunidades e uma ampla rede de apoio ao empreendedorismo, composta por mais de 150 incubadoras e aceleradoras. A “Unicorn Factory Lisboa”, por exemplo, um dos principais hubs de inovação e incubadoras de startups de Portugal, lançou competição destinada especificamente a “scaleups” brasileiras interessadas em expandir seus mercados para Portugal.
O movimento de internacionalização de startups brasileiras no mercado português é evidenciado também por iniciativas como a recente instalação em Portugal de representação do Porto Digital de Recife, o maior parque tecnológico da América Latina, que conta com 415 empresas e faturamento anual de um bilhão de euros. O Porto Digital Europa escolheu instalar-se no hub de inovação de Aveiro para prestar serviços de “softlanding” e outras modalidades de apoio à internacionalização de startups brasileiras em Portugal e já conta com 10 empresas embarcadas. Em visita que realizou a Portugal no início de novembro, a governadora de Pernambuco, Raquel Lyra, anunciou convênio com o Porto Digital Europa para trazer a este país mais empresas do Porto Digital de Recife nos próximos quatro anos.
Também temos visto o movimento inverso, de internacionalização de startups portuguesas no ecossistema de inovação brasileiro, o principal da América Latina, como evidencia a fusão, no ano passado, da startup portuguesa Zenklub, que atua no Brasil na prestação on-line de cuidados de saúde mental, e a Conexa, empresa brasileira líder na prestação de serviços de telemedicina, negócio que criou o maior ecossistema digital de saúde integral da América Latina, com receita estimada de cerca de 50 milhões de euros em 2024.
Em 19 de setembro último, os ministros de Pesquisa e Inovação dos países do G20 – incluindo Portugal, que participa do agrupamento em 2024 a convite do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva – se reuniram em Manaus para discutir a “inovação aberta para um desenvolvimento justo e sustentável”. Na ocasião, desenharam estratégias para aumentar a cooperação internacional em pesquisa e inovação, como ferramenta para enfrentar os desafios globais compartilhados, para reduzir as desigualdades e assimetrias globais no acesso e na produção de ciência, tecnologia e inovação e para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
No contexto atual, em que muito se debate sobre os riscos de algumas inovações para a humanidade, em particular no campo da inteligência artificial, a mensagem dos ministros de inovação do G20 não poderia ter sido mais acertada. Devemos aproveitar a criatividade humana e as inovações disruptivas sobretudo para solucionar nossos problemas globais compartilhados, por meio de seu emprego, por exemplo, na neutralização das emissões de carbono, na promoção da saúde global e na proteção do meio ambiente, da biodiversidade e dos ecossistemas florestais e marinhos.
Ao desejar pleno êxito ao Governo português e aos organizadores e participantes do Web Summit Lisboa, faço votos de que a efervescência de ideias, oportunidades e negócios que sempre caracterizou esse fascinante evento seja direcionada para encontrar soluções revolucionárias para nossos desafios globais compartilhados e para o bem da humanidade.
Fonte: DN.pt em 09.11.2024