Brasil e Portugal de mãos dadas, numa parceria em que o céu é o limite
Neste ano, em que celebramos um tão esperado relançamento da relação entre Brasil e Portugal, com a realização, em abril passado, da XIII Cimeira Bilateral, depois de um hiato de seis anos, publiquei alguns artigos na imprensa portuguesa sobre a importância desse marco, os resultados alcançados na Cúpula e o potencial de nossa histórica parceria. Ao aproximar-se o final do ano, gostaria de dedicar algumas linhas ao relacionamento económico-comercial entre nossos países.
No dia 24 de abril de 2023, no contexto da visita de Estado a Portugal do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, desembarquei no Aeródromo de Alverca do Ribatejo, juntamente com autoridades dos dois Governos, após um voo realizado a bordo do avião cargueiro KC-390 da Embraer, cuja primeira unidade adquirida por Portugal havia sido recentemente incorporada à Força Aérea Portuguesa. Foi um momento carregado de emoção, que celebrava uma parceria de quase 20 anos entre o Grupo Embraer e a OGMA (Indústria Aeronáutica de Portugal), culminando, naquela ocasião, com o voo de uma aeronave fruto da sociedade luso-brasileira, num momento repleto de simbolismo.
A OGMA, sociedade do Grupo Embraer com a Plataforma das Indústrias de Defesa Nacionais (idD) de Portugal, é hoje uma das principais empresas no mercado internacional de manutenção de aeronaves, fabricação de aeroestruturas e engenharia aeronáutica. Atende as forças aéreas de 28 países e mais de 40 empresas de aviação comercial e executiva, atuando nos ramos de defesa, aviação civil, motores, componentes e aeroestruturas. Além de desenvolver essas atividades, a OGMA é responsável pela produção de partes do KC-390 e pelo processo de adaptação da aeronave de ataque leve e treinamento avançado da Embraer, o Super Tucano, às necessidades dos países da NATO. Definitivamente, uma parceria que deu certo!
A sociedade entre nossos setores aeronáuticos gerou conhecimento e experiência em benefício da indústria portuguesa. As mais de 650 mil horas de engenharia que o Centro de Engenharia e Desenvolvimento (CEiiA), um dos principais polos de pesquisa e desenvolvimento em Portugal, dedicou ao desenvolvimento e à certificação de partes do KC-390 hoje habilita aquele Centro a comandar o desenho e a produção da primeira aeronave de fabricação praticamente integral portuguesa, o Lus 222.
A Embraer não é o único grupo brasileiro que aposta em Portugal. Desde 2003, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), por meio de sua subsidiária Lusosider, com sede no Seixal, é responsável pela principal indústria portuguesa do setor siderúrgico, que produz aços planos, com aplicação em vários segmentos da cadeia produtiva de Portugal, como a indústria automobilística e a construção civil.
A sociedade estratégica que Brasil e Portugal mantêm na indústria aeronáutica e a presença brasileira na indústria siderúrgica portuguesa são duas, entre muitas, histórias de sucesso em nosso relacionamento económico-comercial.
A área de energia é outro ponto forte da nossa relação, em função do alto-componente renovável de nossas matrizes energéticas, do enorme potencial do Brasil para tornar-se um dos principais hubs climáticos do mundo e da presença de dois atores-chave de Portugal no mercado brasileiro, a EDP e a Galp.
A EDP figura como uma das estrelas da relação económica bilateral, pela capilaridade da presença mantida no Brasil há mais de duas décadas, sendo uma das maiores empresas privadas do setor elétrico, que opera em toda cadeia de valor (geração, transmissão, distribuição, comercialização e soluções em energia), com presença em 12 estados brasileiros. Os números da Galp também impressionam: maior investidor externo português, terceira maior empresa de petróleo e gás e maior comercializador de gás natural no Brasil, responsável por mais da metade do comércio bilateral em 2022.
Nos últimos anos, EDP e Galp, que juntas respondem por mais de 70% do investimento direto estrangeiro português no Brasil, vêm se posicionando estrategicamente no mercado brasileiro de energia renovável, com investimentos expressivos em projetos eólicos e solares. Por meio desses investimentos, contribuem para aumentar ainda mais a componente renovável da matriz elétrica brasileira (hidráulica, eólica, solar e biomassa), hoje da ordem de 87,9%, comparados com 39,4% na União Europeia e 28,6% no mundo.
A EDP anunciou, em 2022, a produção da primeira molécula de hidrogénio verde em sua nova unidade de geração localizada no Estado do Ceará. A planta de hidrogénio verde conta com uma usina solar com capacidade de três megawatts (equivalente ao porte de uma central apta a abastecer cerca de 1000 casas diariamente) e um módulo eletrolisador capaz de produzir 250 metros cúbicos por hora do gás renovável. Trata-se de um primeiro passo numa longa caminhada, que, esperamos, possa contribuir para que Brasil e Portugal se tornem grandes produtores e exportadores de gases renováveis.
Ao lado desses gigantes – Embraer, CSN, EDP e Galp -, multiplicam-se casos de sucesso. O grupo português Vila Galé conta atualmente com dez unidades hoteleiras no Brasil, sendo o maior operador no mercado brasileiro de resorts de praia em regime “all inclusive”. Recentemente, ao anunciar a abertura de dois hotéis em Cuba, Jorge Rebelo de Almeida, fundador do Vila Galé, declarou, em referência à presença já consolidada do grupo português no mercado brasileiro: “Em Cuba, quiseram-nos porque também somos brasileiros”. Mais um exemplo de parceria de sucesso!
Menos visíveis para o público geral, mas com potencial igualmente promissor, são os muitos contatos que testemunho regularmente entre agentes económicos de nossos países dos mais variados segmentos, por meio de missões de internacionalização, feiras comerciais, visitas técnicas, seminários, “roadshows” e outras iniciativas de aproximação de lado a lado. Nesse processo, nosso idioma comum atua como potente indutor de negócios.
Empresários brasileiros em processo de internacionalização sentem-se mais à vontade para apostar no mercado europeu tendo como base Portugal, não apenas pelo idioma comum, mas também em função do ambiente de negócios, da qualidade de vida, da segurança e de outros fatores que tornam este país extremamente atrativo.
O número crescente de empreendedores brasileiros que integram missões de internacionalização ao Web Summit em Lisboa, ano após ano, é apenas um entre muitos exemplos. O setor de tecnologia e inovação, aliás, é uma das grandes promessas da nossa relação.
A interação entre nossos vibrantes ecossistemas de inovação é cada vez maior. Para citar apenas dois exemplos, recentemente, a startup portuguesa Zenklub, que atua no Brasil na prestação online de cuidados de saúde mental, e a Conexa, empresa brasileira líder na prestação de serviços de telemedicina, anunciaram uma fusão que irá criar a maior empresa digital de saúde da América Latina.
No hub de inovação do Município do Fundão, em Portugal, já são mais de 200 os empreendedores e técnicos brasileiros atuando em diferentes áreas, entre elas no segmento das “agritechs”, startups que empregam tecnologias inovadoras para aumentar a sustentabilidade e a produtividade da agricultura.
Outro ator central na dinâmica do relacionamento económico-comercial entre Brasil e Portugal é a companhia aérea TAP. Maior empresa estrangeira a operar em aeroportos brasileiros, a TAP e seu hub em Lisboa são responsáveis por quase um terço de todo o fluxo de passageiros entre o Brasil e a Europa e vice-versa. Nos primeiros 10 meses de 2023, a companhia aérea já transportou de ou para o Brasil mais de 1,6 milhões de passageiros, 23% a mais do que no mesmo período de 2022. As mais de 80 frequências semanais que a TAP mantêm para as capitais de vários estados brasileiros são algumas das mais rentáveis da companhia, tendo o mercado brasileiro atuado como um dos principais motores da recuperação financeira da empresa no pós-pandemia. A importância da companhia aérea portuguesa para a mobilidade, o turismo, o comércio e os investimentos entre nossos países é indiscutível.
Não posso deixar de mencionar o Acordo Mercosul – União Europeia, que acredito ser um dos elementos com maior potencial para atuar como divisor de águas em nossa relação comercial e de investimentos. Também nesse plano, Brasil e Portugal caminham de mãos dadas. Entre os países europeus, Portugal tem sido um dos maiores defensores do acordo.
Além da convicção em torno dos benefícios económicos esperados do acordo, nossos países compartilham a visão de que ele terá relevantes consequências geopolíticas, ao fortalecer a histórica relação entre a Europa e a América Latina, contribuindo para um sistema internacional baseado em regras.
Nossa promissora parceria se desenvolve num contexto em que os dois países continuam a trabalhar para promover reformas e um quadro de estabilidade fiscal, fundamental para alavancar investimentos públicos e privados, sem descuidar da dimensão social.
O Brasil estabeleceu um arcabouço fiscal sustentável, que aumentou a confiança do mercado e permitiu o início da queda dos juros, aprovou no Senado Federal, no último dia 8, a reforma tributária, que voltou para a Câmara e esperamos promulgar ainda este ano, e retomou programas sociais históricos como o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida.
Atribui-se a Santos Dumont, pai da aviação e patrono da Aeronáutica do Brasil, a ideia de que o avião não foi uma invenção, mas uma descoberta, uma vez que sempre foi possível voar. É inevitável associar a reflexão do célebre brasileiro com os feitos dos grandes navegadores, que eternizaram Portugal na História como ator fulcral no período dos descobrimentos.
A associação também suscita a visão de que talvez tenhamos muito mais em comum do que costumamos perceber e de que, juntos, nosso aporte à Humanidade poderá ser muito maior do que nossos antepassados e nós jamais imaginaríamos.
Embaixador do Brasil em Portugal