Presidente da CBPCE, Raul dos Santos Neto, fala sobre relações comerciais e costumes além-mar
O presidente da Câmara Brasil-Portugal no Ceará destaca o papel da entidade nas relações econômicas, comenta a pauta do Ceará com o país europeu e analisa os entraves que precisam ser superados. “Não temos uma frequência de linhas de navio entre os portos cearenses e portugueses. Quando tivermos, vai facilitar demais as trocas”, aposta
Raul dos Santos Neto é empresário. Ex-presidente do Instituto Brasileiro de Executivo de Finanças no Ceará (Ibef-CE), ele assumiu, recentemente a presidência da Câmara Brasil-Portugal no Estado.
Nesta conversa com o Grupo Otimista de Comunicação, Raul dos Santos explicou como pequenos e médios empresários cearenses podem acessar a economia do país-irmão.
O entrevistado comentou o impacto do atual contexto político europeu nos negócios e os caminhos para o incremento da pauta comercial. Confira os melhores trechos.
O Otimista – O que é, para que serve e como funciona a Câmara Brasil-Portugal?
Raul dos Santos Neto – A Câmara Brasil-Portugal é um ambiente de conhecimento e network qualificados. Temos muito acesso a instituições em Portugal e aqui. O papel da Câmara é ajudar os associados a transitarem bem entre Portugal e o Ceará e vice-versa.
O Otimista – Qual a abrangência?
Raul – Existem 18 câmaras portuguesas no Brasil. A mais antiga é a do Rio de Janeiro, com mais de 100 anos. Depois é São Paulo. São instituições sem fins lucrativos. Geralmente, são pessoas jurídicas que têm algum laço com Portugal ou que querem construir laços com Portugal.
O Otimista – Qual o cenário no Ceará?
Raul – Com 23 anos, a Câmara Brasil-Portugal no Ceará está sempre brigando entre as 3 ou 4 mais ativas. Aqui, temos aproximadamente 120 associados. São pequenas e médias empresas. As grandes já têm pontes próprias.
O Otimista – Funciona como via de mão dupla?
Raul – A Câmara é bilateral. Não é somente para levar cearenses a fazerem negócio em Portugal. Também serve para trazer portugueses para o Estado do Ceará.
O Otimista – Como o avanço da centro-direita e extrema direita na Europa atrapalha os negócios Brasil-Portugal?
Raul – Atrapalha bastante. Interfere, diretamente, no ambiente de negócios. Não se vê mais uma política continuada, olhando para o longo prazo. Antigamente, isso era muito enraizado no mundo todo. Agora, pessoas com quem a gente construiu boas relações são substituídas. As ideologias são colocadas em primeiro plano.
O Otimista – Qual o atual panorama econômico de Portugal
Raul – O país hoje é bem servido de portos, malha ferroviária e logística, via estradas. O único gargalo é a parte aeroviária, que estão tentando resolver – foi aprovada, recentemente, inclusive, a construção do novo aeroporto de Lisboa. O atual está um pouco estrangulado.
O Otimista – E a política que está atrapalhando?
Raul – É o que está errado. Primeiro tem que vir o bem-estar da população, da economia e o ambiente de negócio. Depois vem a política. Mas o que a gente está vendo, não só aqui no Brasil como na Europa também, e em Portugal não é diferente, é a política sendo colocada em primeiro lugar.
O Otimista – Hoje é muito frequente que grupos de empresários falando de política…
Raul – Está um pouco invertido. Já tivemos no passado boas experiências, a exemplo de Tasso Jereissati, um empresário que se lançou na política. O que eu vejo hoje como não muito positivo é empresários que trazem questões político-partidárias para dentro dos negócios, sem ir para a linha de frente da política.
O Otimista – Como estão os investimentos portugueses no Estado?
Raul – Os mais visíveis estão no segmento turístico. Hotéis Dom Pedro Laguna, Vila Galé e Luzeiros, para citar três grandes ícones. Também temos uma série de hotéis boutique, de beira de praia, nas regiões de Jericoacoara e Fortim. Esse ciclo estagnou um pouco. Nossa ambiência de negócios aqui está meio confusa.
O Otimista – Como está o alinhamento entre os setores público e privado?
Raul – Tenho procurado enfatizar esse ponto. Temos de envolver a diplomacia. As câmaras de comércio são reconhecidas pelo governo português como o braço da diplomacia de negócios do Estado de Portugal.
O Otimista – Quais outras pontes podem ser acessadas, além da câmara?
Raul – Aqui no Ceará temos o Vice-Consulado Português, a Beneficência Portuguesa e o líder da Comunidade de Língua Portuguesa, que hoje reside no Ceará. São quatro pontes pelos quais o setor privado, com o público, pode acessar o mercado lá fora.
O Otimista – Sem o trâmite oficial, corre-se o risco de se incorrer em ineficácia?
Raul – Muitas vezes percebemos que não há muita validade o que determinadas instituições fazem lá fora, por não ter a chancela oficial. Você não pode, por exemplo, sair firmando qualquer tipo de acordo, sem checar se nas casas legislativas dos dois países aquilo tem sustentação e validade.
O Otimista – Como os não iniciados devem fazer? A câmara oferece suporte ou consultoria?
Raul – É interessante buscar a Câmara quando se estiver, exatamente, no estágio da ideia. Nesse caso, teremos uma primeira conversa, para entender o que é o projeto. Muitas vezes orientamos fazer uma viagem técnica a Portugal, com visitas totalmente direcionadas para o que ele quer.
O Otimista – Como mitigar os riscos inerentes a esse tipo de situação?
Raul – É muito importante o empresário estar próximo da Câmara. É uma questão de receber o que está sendo contratado. Tem empresário português que vem direto para o Ceará, sem procurar a câmara. Depois a gente sabe que ele foi enganado.
O Otimista – E daqui para lá, o cearense precisa entender os hábitos portugueses, é isso?
Raul – Isso. O que nos une é, basicamente, a língua. O restante, tipo hábitos de consumo, são muito diferentes. Os nossos são mais americanizados. O português só compra uma camisa quando a antiga estraga. O brasileiro é motivado pela propaganda e redes sociais. A gente gosta de encher o carrinho no supermercado. O português gosta de comida fresca. Só compra o que precisa.
O Otimista – Mas hábitos mudam com o tempo.
Raul – Com a chegada de muita gente de fora, inclusive brasileiros, percebemos que a indústria do supermercado está se transformando. Eles estão se adaptando. A quantidade de carrinhos de compra hoje, em Portugal, é muito maior do que há 20 anos. Os hábitos de consumo são diferentes, mas eles estão procurando ganhar dinheiro com isso.
O Otimista – Como está a pauta comercial e econômica do Ceará com Portugal?
Raul – A gente sofre um pouco quando fala de pauta, porque não reflete a vontade própria de ambos os locais.
O Otimista – Por exemplo?
Raul – O vinho, por exemplo. Boa parte do vinho que tomamos aqui entra no Brasil por Recife, por uma questão fiscal. Pernambuco tem uma alíquota para bebidas alcoólicas do Exterior muito mais atrativa do que a nossa. Por isso lá tem grandes distribuidores de bebidas, em relação às que temos aqui.
O Otimista – Apesar desse gargalo, como está a pauta?
Raul – Temos muito forte os serviços tecnológicos. Portugal hoje é uma referência mundial em tecnologia. Temos de fazer menção aos cabos de fibra óptica, os mais modernos saindo de Fortaleza. A parte metalmecânica também. Pouca gente sabe, mas Portugal tem uma indústria metalmecânica gigante. E pedras ornamentais. E há a tendência de descobertas de jazidas de lítio. Talvez tenhamos surpresas aí.
O Otimista – E daqui para lá?
Raul – Daqui para lá temos produtos regionais, tipo frutas, e minério. A nossa pauta, entre Brasil e Portugal, não é constante. Um dos pontos que atrapalham é a falta de uma linha marítima direta entre os dois países. Hoje, temos linhas pontuais. Não temos uma frequência de linhas de navio entre os portos cearenses e portugueses. Quando tivermos, vai facilitar demais as trocas.
O Otimista – E a malha aérea, como está?
Raul – Nós temos a TAP, a companhia aérea que liga o Ceará ao Exterior há mais tempo e com maior frequência. São sete voos semanais. É a companhia que mais tem laços com o Ceará. A empresa enxergou esse mercado. A TAP tem um papel fundamental no desenvolvimento dessas relações.
Fonte: O Otimista em 17.06.2024