Há duas semanas, não era preciso pensar muito: entre fazer uma ligação e mandar mensagem, quem iria escolher a primeira alternativa? E nos momentos de folga, aos fins de semana, alguém ainda optava por ficar em casa, saboreando a própria companhia ou a presença dos familiares, ao invés de sair para a rua? Eram raros os casos, escapavam pelos dedos.
Mas, hoje, a realidade é bastante diferente. A pandemia do novo coronavírus nos obriga a ficar confinados como meio de prevenir a transmissão. Atitude de consciência, claro, e que traz consigo um novo panorama.
Em tempos de isolamento social, diferentemente daqueles aos quais estávamos habituados, ligações e chamadas de vídeo se avolumam. Queremos nos ver e ouvir, desejamos contornar a barreira da separação. Em casa, detalhes tão pequenos – o sol entrando pela janela, o crescimento de uma planta – tornam-se enormes demais. É a necessidade da presença.
Para além de toda essa singeleza, há uma enorme parcela da população que encara também um árduo desafio: como conviver consigo e os seus quando a única opção é essa? De que forma manter uma boa saúde mental nessas condições que, por vezes, ficam complicadas de se encarar?
“É óbvio que estar dentro de casa, fruto de uma parada que veio de fora para dentro a partir de um decreto, gera uma série de desconfortos e uma necessidade imensa de adaptação”, explica a psicóloga e especialista em gestão, Adriana Bezerra. “Afinal, para a maioria, era nos lares onde se passava a menor parte do dia”.
Nesse movimento, de forma a encontrarmos um novo sentido para a quarentena, a profissional conversou com o Verso a fim de repassar ensinamentos que contornam a barreira temporal: além de nos auxiliar a atravessar este momento com sabedoria, servem como ferramenta de mudança permanente frente ao desconhecido que nos aguarda.
CRESCIMENTO
Fundadora da agência Flow Desenvolvimento Integral, com foco no bem-estar mental de indivíduos e empresas, Adriana Bezerra elenca cinco passos bastante importantes, direcionados a todos, embora, de forma especial, a quem está passando por dificuldades de viver apenas entre quatro paredes.
Segundo ela, cada um deles nos convoca a manter o estado de presença, ou seja, a capacidade de estarmos completamente envolvidos com a atividade que executamos em determinado momento. Em síntese: significa o aproveitamento do tempo presente, do aqui e agora.
O primeiro deles é parar. Na agitação em que vivíamos, não nos permitíamos sequer alguns momentos de pausa, acarretando estresse e ansiedade. “O convite, agora, é para que paremos pelo menos cinco minutos, pela manhã, antes das refeições e antes de dormir”, explica Adriana.
Na sequência, o segundo passo é silenciar, descrito pela psicóloga como a melhor forma de entrarmos em conexão conosco. Não à toa, procure um local na casa em que se sinta à vontade e cale os anseios. “O silêncio é uma prática contemplativa, por isso que fazemos a meditação calados. É uma oportunidade de silenciar não só a boca, mas também por dentro, e gerar, com isso, uma maior conexão”.
Em seguida, respirar é outro elemento fundamental. Feita da maneira correta – pelo abdômen, inspirando pelo nariz e exalando muito suavemente pela boca, como se soprasse uma vela – a prática nos fortalece internamente, nos deixando mais conscientes e atentos ao redor.
O exercício se liga ao quarto passo: ancorar. Segundo Adriana, “é pôr os pés no chão, de preferência sem sapatos, entendendo que estamos no aqui e agora. Os dedos, inclusive, devem ficar completamente no solo”.
Por último, trata-se de se auto-observar, notando como as reações se manifestam no corpo. “É perceber você”, resume a psicóloga. “Essas práticas são supersimples, mas fundamentais para nos colocar naquele estado de presença para as atividades, seja de home office, seja nos afazeres de casa. Em cinco minutos, conseguimos alcançar a inteireza, nos mantemos completamente ali”.
FRUTOS
No fim das contas, vivenciar esse estado é encarado por Adriana Bezerra como uma das maiores bênçãos que podemos alcançar por meio do período de recolhimento.
“Éramos muito habituados a viver o futuro com base no passado. Tudo era tão acelerado, que, no lugar de vivermos o hoje plenamente, vivíamos dois dias à frente. Agora, temos a oportunidade de fazer cada coisa no seu tempo”, diz.
Quando não há a compreensão da importância de estar dentro de casa e se quer, de alguma maneira, “brigar” com isso, ela ainda considera ser um obstáculo organizar uma nova rotina. E isso é muito complexo do ponto de vista da saúde emocional e mental. Por isso, a seriedade em encarar o período como um gatilho para mudanças, criando um jeito novo de atuar, sentir. Viver.
Nos próximos dias 30 e 31 (segunda e terça-feira), de modo a estender o raio de alcance desses ensinamentos, Adriana continua uma série de transmissões ao vivo pelo Instagram iniciadas nesta semana, sempre às 20h, por meio do perfil da Flow Desenvolvimento Integral. Os temas serão, respectivamente, “Os pilares do autocuidado” e “Compaixão e autocompaixão”, e mais lives deverão ser feitas até o término da quarentena.
“Estamos vivendo uma oportunidade ímpar na Terra de aprendermos muitas coisas. Por que tanta gente tem dificuldade com o isolamento social? Por não conseguir estar sozinho consigo mesmo. E estar só comigo significa vasculhar-me, descascar a mim. É importante que aprendamos a fazer isso. Lembro do Enigma da Esfinge, que diz: ‘Decifra-me ou devora-te’. A esfinge é parte animal, parte humana. Se eu não conhecer a mim como ser humano, minha parte animal vai me devorar”, conclui.
Serviço
Palestras sobre “Os pilares do autocuidado” e “Compaixão e autocompaixão”, por Adriana Bezerra
Respectivamente, dias 30 e 31 (segunda e terça-feira), a partir das 20h, no perfil do Instagram da Flow Desenvolvimento Integral
Fonte: Diário do Nordeste em 27.03.2020