“Entre Portugal e o Brasil nunca pode haver entrave”, diz embaixador Luís Faro Ramos
No Dia Nacional de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, embaixador destaca a importância da data e a forte amizade com o Brasil, voltada para o futuro. Diplomata também cita a valorização do meio ambiente como pressuposto para as relações comerciais
Mais de 5 milhões de portugueses espalhados pelo mundo celebram, hoje, o Dia Nacional de Portugal. Além de lembrarem o poeta Luís Vaz de Camões, eles expressarão o amor e o orgulho pela pátria lusitana.
No Brasil, a Embaixada de Portugal prepara uma comemoração virtual à altura da data. Em entrevista ao Correio, Luís Faro Ramos, embaixador de Portugal em Brasília, contou que os eventos incluem um concerto que unirá o músico alentejano António Zambujo e a cantora brasileira Gal Costa, além de podcast, exposição artística e projeção das cores da bandeira portuguesa em monumentos de Brasília.
“É uma ocasião para se trocarem afetos, festejar no país e no exterior. Nessa data, nós, portugueses, nos sentimos todos mais próximos uns dos outros”, explicou o embaixador. Além de destacar a importância da data, o diplomata enalteceu a “parceria” entre os povos de Brasil e Portugal. “Trata-se de uma relação muito densa, rica e diversificada, que vale, antes de tudo, pelas pessoas que, sem parar, cruzam os dois lados do oceano e, com a nossa língua comum, constroem as pontes que nos unem”, comentou.
No âmbito dessa cooperação, Ramos também valorizou a importância de um trabalho em rede entre as Câmaras de Comércio Portuguesas, no Brasil, e os Hospitais Beneficentes Portugueses. Para o embaixador, as Cátedras Camões têm um “potencial enorme” na promoção da relação em setores como educação, ciência, cultura, língua, ciência e tecnologia. Ele ressaltou, ainda, a forte relação institucional entre Lisboa e Brasília, e citou recentes visitas de ministros de ambos países.
O que se celebra exatamente no Dia Nacional de Portugal e de que modo a Embaixada pretende comemorar a data de hoje?
O dia 10 de Junho, Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, lembra a morte do grande poeta Luís Vaz de Camões, em 1580, mas é muito mais do que essa celebração simbólica.
Une, num abraço em português, os mais de 5 milhões de compatriotas nossos que se encontram espalhados pelo mundo. É uma ocasião para se trocarem afetos, festejar no país e no exterior.
Nessa data, nós, portugueses, nos sentimos todos mais próximos uns dos outros. Neste ano, assim como em 2020, não nos será possível celebrar presencialmente, mas não deixaremos de comemorar no universo virtual.
Hoje, disponibilizaremos em nossas plataformas um concerto que unirá dois virtuosos artistas, o português António Zambujo e a brasileira Gal Costa, que simbolizam tão bem as pontes que a cultura vem construindo.
Também será lançado mais um episódio do podcast Cruzamentos Literários, que visa dar a conhecer como escritores do universo da língua portuguesa pensam a literatura e o mundo. Este episódio — o décimo da série — tem como convidada a escritora portuguesa Dulce Maria Cardoso. Graças ao sempre inestimável apoio do GDF, as cores de Portugal estarão presentes aqui em Brasília, nos edifícios da Biblioteca Nacional e do Museu da República.
Ontem, abrimos as portas da Embaixada de Portugal para uma visita guiada à exposição Oréades, de Gabriela Albergaria e Marcelo Moscheta, um diálogo luso-brasileiro em torno de Brasília e do Cerrado que queremos partilhar com o maior número possível de brasilienses, dentro das normas atualmente em vigor.
Como o senhor vê a cooperação bilateral entre Brasil e Portugal? Quais as principais áreas de parceria?
Mais do que cooperação, a palavra correta é parceria. A relação entre Portugal e o Brasil não se assenta apenas na riquíssima história comum. Ela é muito mais do presente e virada para o futuro.
Trata-se de uma relação muito densa, rica e diversificada, que vale, antes de tudo, pelas pessoas que, sem parar, cruzam os dois lados do oceano e, com a nossa língua comum, constroem as pontes que nos unem.
E ligam-nos, desde logo, às fortíssimas comunidades portuguesa no Brasil e brasileira em Portugal. Desde o intenso diálogo entre as nossas culturas até as trocas comerciais, passando pelo futebol e pela gastronomia, pela defesa e pela educação, ciência e tecnologia, é mesmo muito difícil encontrar alguma área onde não exista parceria entre os nossos países.
Existem potencialidades que ainda não foram exploradas nesta relação?
Sempre existem possibilidades de reforço do relacionamento. Ainda bem, senão o nosso trabalho já estaria completo e não seria necessário! O importante mesmo é aproveitar ao máximo as características únicas das estruturas montadas. Por exemplo, nas áreas do comércio e da saúde, para valorizar ainda mais a marca Portugal no Brasil.
Eu me refiro, de modo concreto, às Câmaras de Comércio Portuguesas no Brasil e aos Hospitais Beneficentes Portugueses. Uns e outros, nas respectivas áreas, devem poder trabalhar em rede para valorizar a nossa atuação. Possuem uma característica, que é juntar saberes de Portugal e do Brasil. Também as Cátedras Camões, que temos pelo Brasil — atualmente sete, mas com possibilidade de virem a ser oito no próximo ano —, possuem potencial enorme para promover a relação nas áreas da educação, ciência, cultura e língua. Posso citar, igualmente, a cooperação em investigação científica e em inovação tecnológica.
Os nossos dois países possuem conhecimento e nichos de excelência reconhecidos internacionalmente. Outra vertente para a qual olhamos com muita atenção são as parcerias em matéria de água e de saneamento, e também a coleta e o tratamento de resíduos, aproveitando as oportunidades que decorrem do novo marco legal e a experiência portuguesa. Trata-se de uma área com forte impacto na melhoria das condições de vida de muitos brasileiros.
O ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação brasileiro, Marcos Pontes, acaba de assinar memorandos de entendimento com Portugal. Qual a importância destes documentos e quais setores abrangem?
Os memorandos assinados vão permitir uma maior aproximação entre os dois países em três áreas particularmente críticas da ciência: o lançamento de uma rede de cooperação para a promoção da cultura científica e tecnológica; o desenvolvimento de nanociências e tecnologias quânticas; e o desenvolvimento da física nuclear, de partículas, astropartículas e cosmologia.
Para além da assinatura dos memorandos de entendimento, que resultaram de meses de trabalho conjunto a nível técnico, eu gostaria de realçar a importância da visita do ministro Marcos Pontes a Portugal, por dois motivos principais: ele esteve presente na cerimónia de inauguração do cabo submarino Ellalink, que liga a América Latina à Europa por meio de duas cidades do Brasil e de Portugal — Fortaleza e Sines — e conversou com o ministro português da Ciência e Tecnologia sobre vários outros assuntos, como, por exemplo: o AIR Center (Atlantic International Research Centre), uma organização colaborativa internacional, com sede nos Açores, a qual promove uma abordagem integrada sobre espaço, clima, oceano e energia no Atlântico, com vários polos em universidades no Brasil e possibilidades de cooperação interessantes com o Programa Espacial Brasileiro, que registra notável expansão.
Portugal é governado pelo Partido Socialista, enquanto o Brasil tem a extrema-direita no poder. Isso tem sido um entrave para a relação de mais alto nível entre as duas nações?
Entre Portugal e o Brasil nunca pode haver entrave algum que impeça a corrente entre as pessoas, tão forte que ela é. Por isso, a relação entre os nossos países é e será sempre boa. O relacionamento institucional é normal, como se pode verificar pelas visitas regulares de responsáveis governamentais dos dois países. Além do ministro Marcos Pontes, que já citei, gostaria de salientar as duas visitas, em cerca de seis meses, que o secretário de Estado para a Internacionalização português fez ao Brasil, e a visita da ministra da Agricultura brasileira a Portugal no ano passado. Mais visitas serão negociadas para este ano.
De que modo a questão do meio ambiente se mostra pressuposto para o comércio entre Portugal e Brasil? Como Portugal vê a destruição da Amazônia?
Cada vez mais, a nível global, o comércio apresenta uma tendência, que vejo como muito positiva, para preencher requisitos de sustentabilidade e preservação do meio ambiente. Por isso, as relações comerciais entre Portugal e Brasil não fogem a essa regra. Quanto à Amazônia, sabemos que esse grande pulmão verde da humanidade tem que ser preservado e cuidado, sob pena de hipotecarmos as condições de vida das gerações vindouras. É assunto que acompanhamos com muita atenção, mas há um ponto que é sempre importante destacar: a Amazônia é o grande pulmão verde da humanidade, mas é dos países que a têm no seu solo. A Amazônia brasileira é do Brasil, a Amazônia colombiana é da Colômbia, etc.
Os brasileiros retomaram investimentos em Portugal e aplicaram R$ 210 milhões no primeiro trimestre de 2021. Qual a garantia de retorno em apostar no país?
Esse número (não sei qual é a fonte) confirma a confiança que os brasileiros depositam em Portugal. Porque têm a garantia de apostar num país que tem tanto em comum com o Brasil, além da língua, mas que também oferece condições únicas de atratividade de investimento e é porta de entrada para mercados europeus. Portugal é mesmo a porta atlântica de entrada na Europa. Um país ao mesmo tempo multissecular e moderno, onde os quatro cantos do mundo se encontram e convivem harmoniosamente e em segurança. E onde os quadros jurídicos para investimento e negócio estão bem definidos, originando a sempre tão aguardada estabilidade e segurança regulatória para o investidor.
Como o senhor vê a convivência entre imigrantes brasileiros e cidadãos portugueses? Há uma coabitação harmônica?
Como mencionei, há muito que as pessoas de um lado e de outro do Oceano o cruzam e constroem pontes que nos unem. A coabitação é uma realidade. O fato de mais de 1 milhão de portugueses e lusodescendentes no Brasil e seguramente mais de 200 mil brasileiros em Portugal — atualmente a maior comunidade estrangeira no nosso país — viverem como se estivessem em casa são a melhor prova disso. No caso que me ocupa, o do acolhimento da comunidade portuguesa no Brasil, só posso agradecer em nome de todos o modo caloroso como somos recebidos.
Portugal manteve um número razoavelmente baixo de mortes pela covid-19 em comparação a outros países, como Espanha, Itália e Alemanha. A que se deve o sucesso no controle da pandemia?
A pandemia atingiu a todos duramente. Uns estão agora melhor do que outros, enquanto há uns meses estavam piores. A grande lição a tirar é que ninguém está imune a esta terrível ameaça global. Portugal sofreu. Ainda não estamos numa situação de segurança, mas as coisas vão bem melhor, sobretudo em virtude do avanço muito relevante na vacinação da população, mas também do respeito às regras a seguir que são conhecidas de todos, como o uso de máscara, distanciamento social e higienização das mãos.
Fonte: Correio Braziliense