Startups ganham força em meio à disrupção econômica
Ceará conta com uma das maiores comunidades do Nordeste e o apoio de entidades como o Sebrae, o que pode ajudar na captação de investimentos
Com a proposta de buscar soluções para os variados desafios do mundo empresarial, as startups têm chamado cada vez mais a atenção de investidores, que vislumbram nas jovens empresas uma boa possibilidade de retorno, sem a necessidade de um aporte tão significativo. No Ceará, as comunidades têm crescido ao longo dos anos e, com o apoio de entidades como o Sebrae, tendem a ganhar ainda mais força no atual momento de disrupção e retomada da atividade econômica, onde a inovação deixou de ser opção e virou necessidade.
De acordo com dados da Associação Brasileira de Startups (ABStartups), em 2019, o Rapadura Valley, a comunidade de inovação do Ceará, localizada em Fortaleza, contava com 81 startups ativas, o que correspondia a 14,1% do número total do Nordeste. Dessas, 43,4% já estavam em fase de operação e 50% tinham como alvo o B2B (empresas), mercado forte em toda a região. “Sobre o faturamento das iniciativas, destaca-se que 22,86% destas faturaram, no último ano, entre R$ 50 mil e R$ 250 mil”, destaca o mapeamento da entidade.
Membro do Rapadura Valley, Mário Alves, que também é sócio e consultor da Indigital.lab, diz que, atualmente, a comunidade conta com mais de 70 startups cadastradas e mais de 200 empreendedores. Segundo ele, o Ceará certamente possui muito mais gente atuando no ecossistema da inovação, mas que ainda não foi identificada. “É difícil mapear com efetividade, pois a atividade é muito dinâmica, mas temos nos organizado ao longo dos últimos anos e buscado o contato com todas as pessoas ativas. Acredito que temos mais de mil”, opina.
Em 2019, o Rapadura Valley venceu a categoria comunidade revelação no Startup Awards, a maior premiação do ecossistema nacional, o que deu ainda mais destaque ao potencial da comunidade cearense. Para Mário, com o atual momento de incertezas e de preocupação com o futuro da economia, é natural que o meio empresarial busque aumentar o contato com ideias inovadoras e, consequentemente, os investimentos em iniciativas que possam trazer soluções.
“O grande diferencial das startups é a proximidade com o mundo digital, até porque é lá que elas nascem. O atual período ensinou às empresas o quanto é importante ter presença digital para obter vantagem competitiva, então creio que os grandes empresários vão querer estar mais próximos dessa mentalidade, o que deve gerar crescimento de alianças e de investimentos”, diz Mário Alves.
Dentre os segmentos de atuação das startups cearenses, o grande destaque é a área de educação (Edtech), com 15% das iniciativas mapeadas pela ABStartups. “Não é à toa que alguns cases de sucesso da comunidade são da área, entre eles temos a Agenda Edu e a Arco Educação – empresa que começou como uma startup e, atualmente, possui capital aberto na bolsa norte-americana Nasdaq e é avaliada em mais de US$ 2 bilhões”, diz o relatório da Associação.
Além de educação, outras áreas que se destacam entre as startups cearenses são: saúde e bem estar, com 10,6% de participação; varejo e atacado, também com 10,6%; e os segmentos de comunicação e marketing, big data (análise de dados) e direito, ambos com 6% de participação. “São formas de pensar diferente, que podem oferecer grandes ganhos às empresas. Ter esse conhecimento de processos e de ferramentas é essencial”, destaca Mário Alves.
Apoio para o desenvolvimento
Para auxiliar no amadurecimento de suas ideais, as startups cearenses contam com o importante apoio do Sebrae-CE, que, através de algumas iniciativas, tem ajudado a comunidade do Estado a crescer mais forte e capacitada. Uma dessas ações é o programa StartupCE, que realiza uma pré-aceleração de startups selecionadas e a capacitação de seus empreendedores para que posam colocar suas ideias de negócio inovadoras no mercado de forma rápida e consistente.
“O programa seleciona de 20 a 25 empresas e atua na parte de início da startup, através de oficinas, mentorias e rodas de conversa com outros empreendedores. Ao final, há uma apresentação oficial daquelas ideias ao ecossistema”, explica a analista do Sebrae-CE, Marilia Diniz. Segundo ela, já foram realizados três ciclos do StartupCE, com mais de 70 startups e 200 empreendedores participantes. Neste ano, o programa ainda não ocorreu por conta das limitações impostas pela pandemia, mas ajustes estão sendo feitos para o lançamento do próximo ciclo.
“Temos conseguido manter um grau de mortalidade bem abaixo da média. Das startups que passaram pelo programa, 50% continuaram com o mesmo projeto e se desenvolveram, enquanto que, nacionalmente, este índice costuma ser de apenas 20%. Mesmo quem desiste de determinada ideia acaba empreendendo em outros segmentos de uma forma mais capacitada”, destaca Marilia Diniz.
A analista também esclarece que, além do StartupCE, há vários programas nacionais que o Sebrae-CE apoia e executa. Um exemplo é o Capital Empreendedor, que ajuda no momento de buscar financiamento e acessar os investidores. “Tem também o InovAtiva, que é um programa de mentoria e aceleração nacional, em parceria com o Ministério da Economia, assim como o Nexos, que promove a conexão de startups com médias e grandes empresas, através de desafios. Outro exemplo é o Sebrae Conecta, que fornece consultoria e suporte às empresas que precisam, conectando-os com mentores e consultorias. Há uma ação bem ampla, local e nacionalmente”, comenta.
Ainda de acordo com a analista do Sebrae-CE, o que pode contar a favor das startups no atual cenário de retomada da economia é a agilidade, uma das características mais marcantes dessas iniciativas. “As startups mudam, agem e aprendem rápido. Elas ‘erram barato’, o que é fundamental num cenário onde é preciso gastar pouco e criar ações com rapidez”, opina Marilia. Para ela, esse modelo de atuação tem muito a oferecer à sociedade e a potenciais investidores. “Creio que elas podem se destacar muito neste momento de reajuste”, completa.
Desafios a superar
Mesmo em um cenário favorável, ainda há alguns desafios a serem superados para a criação de um ambiente efetivamente promissor às startups cearenses, explica Machidovel Trigueiro, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) e da Florida International University (FIU/USA). Segundo o acadêmico, que possui pesquisas em Stanford na área de Direito das startups e Inteligência Artificial, o Ceará possui “duas questões limitantes” que devem ser melhoradas.
“Temos a questão da infraestrutura, principalmente no que diz respeito ao acesso à internet para pessoas das regiões mais afastadas do Ceará. Se vencermos esta barreira, haverá uma revolução de oportunidades no Estado, pois estamos perdendo ideias inovadoras e jovens talentos por conta dessas limitações no Interior”, destaca o professor.
Ainda de acordo com Machidovel, outro problema é o crédito, que tem ficado mais escasso no atual período de crise. “Os bancos não estão liberando recursos com facilidade para essas empresas, o que dá ainda mais importância aos investidores privados”, conta.
Para o professor, ao conseguir superar esses desafios, as startups certamente poderão oferecer diferenciais às empresas em meio à economia do “novo normal”, onde muitos processos precisarão ser aperfeiçoados. “As empresas não têm mais como fugir do digital. Quem achar que vai continuar da mesma forma que antes, acabará fechando as portas. Não consigo enxergar uma grande empresa, hoje, sem tecnologia e, mais à frente, sem Inteligência Artificial”, pontua. Dentro deste contexto, diz, as startups podem auxiliar nessa evolução.
Oportunidades no Ceará
Sobre possíveis oportunidades para os empreendedores cearenses, Machidovel Trigueiro, que também é criador da startup Mememoria, que tem como objetivo eternizar digitalmente as memórias em vida, cita alguns setores ainda pouco explorados como opção para quem estiver disposto a apostar em uma ideia. “Um segmento que ainda vejo ser pouco trabalhado pelas startups é o de Turismo, que, inclusive, tem muita força no Ceará. Com o reaquecimento do setor após a pandemia, pode haver uma boa oportunidade de negócio surgindo”, opina.
“Ainda existe muito o que fazer no setor de educação, na agroindústria e na área de logística, que tem um espaço muito grande. Já na questão das fintechs, que são startups ligadas ao setor financeiro, não vejo muita opção para a comunidade cearense concorrer com a evolução que já há no Sul e Sudeste. É um segmento muito saturado e desenvolvido naquelas regiões”, diz Machidovel.
Por fim, o professor e empreendedor avisa que é preciso muita preparação e conhecimento para apostar as fichas numa startup. Conforme diz, “se é para abri-la amanhã, o ideal é que por trás disso haja meses de estudo preliminar”. Para ele, além de estudar profundamente o mercado, os empreendedores também devem buscar uma área que realmente consigam se identificar.
“Procure uma atividade que lhe dê prazer, não só porque pode dar dinheiro. O mercado não está para brincadeira, então é necessário a paixão por aquela atividade para fazê-la crescer. Ademais, é preciso ver como inserir a tecnologia naquela ideia. Não adianta abrir, hoje, um novo negócio sem tecnologia”, finaliza.
Fonte: Trends CE 22/07/2020