Parcerias Público-Privadas são oportunidades para ampliar investimentos no Ceará
Diante da crise econômica desencadeada pela pandemia da Covid-19, é natural que, por algum tempo, os grandes investimentos públicos fiquem restritos por questões orçamentárias. Neste cenário, as Parcerias Público-Privadas (PPPs) despontam como alternativa para garantir a continuidade do desenvolvimento regional, sem que haja desequilíbrio financeiro. No Ceará, este tipo de parceria tem ganhado espaço e tende a ser ainda mais estimulado pelo Governo, que trabalha em projetos viáveis e atrativos, sem abrir mão do interesse coletivo.
Atualmente, o Ceará conta com apenas uma PPP efetivamente contratada, que diz respeito aos serviços de atendimento ao cidadão Vapt Vupt, com três unidades em Fortaleza, uma em Juazeiro do Norte e outra na cidade de Sobral. Assinado em novembro de 2013, com o valor total de R$ 640,6 milhões, a parceria tem um prazo de concessão de 15 anos. Além disso, o Governo estuda uma nova PPP para a administração da Arena Castelão, tendo em vista que o contrato anterior, assinado em novembro de 2010 por R$ 518,6 milhões, e que virou referência nacional pelo bom andamento, venceu em dezembro de 2018.
A grande prioridade no momento, entretanto, é o projeto de implantação, operação e manutenção de uma planta de dessalinização de água marinha, que forneça água para consumo humano nas estruturas hidráulicas existentes da Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). Conforme Ticiana Gentil, titular da Coordenadoria de Captação de Recursos e Alianças com o Público e o Privado (Cocap), da Secretaria do Planejamento e Gestão (Seplag), o projeto, que já teve seu edital lançado, está tendo um grande interesse por parte do setor privado.
“A Cagece (Companhia de Água e Esgoto do Ceará), dona do projeto, já recebeu mais de 170 questionamentos sobre esta PPP, o que nos deixa otimistas. A ideia é termos a maior planta de dessalinização da América Latina, com vazão mínima de um metro cúbico por segundo (1 m³/s) e capacidade de suprir as necessidades de 720 mil pessoas num primeiro momento”, destaca Ticiana.
Além da planta de dessalinização, o Governo do Estado também estuda, por meio de um convênio com a Caixa Econômica Federal, o projeto de PPP para a implantação do Aterro Sanitário do Cariri, que visa atender os municípios da região. “Antes de acontecer a pandemia, o Governo já trabalhava fortemente nessa interação com o setor privado, posto que essas parcerias geram desenvolvimento, empregos e arrecadação ao Ceará. Agora, com planejamento de longo prazo e ouvindo todas as secretarias, a tendência é de que esses projetos sejam ainda mais estimulados, sempre com transparência”, diz Ticiana.
Ainda de acordo com a titular da Cocap, o fato de o Ceará possuir uma responsabilidade fiscal elevada, sendo referência no Brasil, oferece ainda mais atratividade às empresas privadas interessadas em PPPs. Ela lembra, ainda, que o Estado também conta com uma Lei de Garantias desde 2014, o que passa mais segurança financeira às possíveis parcerias; um grupo técnico focado exclusivamente em PPPs; e um Tribunal de Contas Estado (TCE) que analisa a viabilidade dos projetos, reduzindo os riscos de os mesmos serem interrompidos.
Benefício mútuo
Para Eugênio Vieira, advogado na área de infraestrutura, o grande diferencial de uma PPP é o fato de ela oferecer, efetivamente, benefícios tanto ao poder público, como também para os entes privados que fazem parte da parceria. “No caso do poder público, ele poderá fazer os investimentos necessários, mesmo com recursos mais escassos no atual momento, podendo diferir o pagamento no longo prazo. Além disso, há a vantagem de ter, através do particular, um acréscimo de know-how para conduzir a atividade com maior eficiência”, opina.
Pelo lado do setor privado, Eugênio destaca que, em um cenário de incertezas como o atual, o fato de uma empresa ter a garantia de recebimento numa PPP, trabalhando num modelo onde já estima o seu retorno de capital, traz importante segurança financeira diante da instabilidade econômica vivida pelo País. “São investimentos vultuosos, que oferecem uma segurança considerável. Além disso, a taxa de retorno é competitiva, na comparação com investimentos em títulos públicos, por exemplo”, comenta. Sobre os setores com maior potencial de atrair PPPs no Ceará, o advogado aposta suas fichas em quatro segmentos.
“Eu vejo a área de saneamento básico, com a aprovação do novo marco regulatório, com enorme potencial a ser explorado via PPPs. Além disso, o setor de energias renováveis, considerando que o poder público é um dos principais consumidores de energia, tem tudo para ganhar força e ser mais flexibilizado. Também vejo possíveis parcerias em projetos que possam ser relevantes para o turismo do Estado e no sistema penitenciário, onde é possível vincular melhorias nas unidades à administração privada”, pontua Eugênio Vieira.
O advogado cita, ainda, alguns equipamentos do Ceará, a exemplo da Centrais de Abastecimento do Ceará (Ceasa), como possibilidade de fazer parte de uma PPP para maximizar sua eficiência. Ademais, projetos estruturantes, como a melhoria de rodovias por todo o Estado, também são mencionados por Vieira.
O que diz a lei
No Brasil, as PPPs são reguladas pela Lei Federal 11.079/2004, que oferece as diretrizes para que cada Unidade da Federação crie sua própria legislação. No Ceará, a modalidade de contratação foi editada antes mesmo da lei federal, mas acabou adaptada em 2009, com a Lei 14.391, que trata das PPPs no Estado. O primeiro contrato assinado pelo Estado ocorreu em 2010, para a reforma do estádio Castelão, escolhido para receber jogos da Copa do Mundo da Fifa.
De forma resumida, a Parceria Público-Privada pode ocorrer por meio de duas modalidades: concessão patrocinada ou administrativa. No primeiro caso, o contrato envolve a concessão de serviços públicos ou de serviços e obras públicas, com a cobrança de tarifa aos usuários, que funciona como um complemento à contraprestação mensal paga pelo parceiro público ao privado.
Já na concessão administrativa, não há a cobrança de tarifas ao usuário, uma vez que as contraprestações mensais são realizadas exclusivamente pelo parceiro público ao privado, a partir do início da operação dos serviços. Este tipo de concessão, o mais comum no Brasil, ocorre quando o projeto, mesmo sendo de interesse público, não é rentável ou competitivo para o setor privado.
“A lei também estabelece que o parceiro privado atinja determinados níveis de qualidade e de atendimento do serviço. Há índices que o poder público vincula ao pagamento das contraprestações. Se a empresa não atingir a qualidade e eficiência determinadas no edital, ele pode receber menos recursos do Governo ou até mesmo perder aquela concessão”, explica o advogado Eugênio Vieira.
Desafios para prosperar
Consultor referência nacional em projetos de PPPs, o engenheiro civil André Barbosa, presidente da Oficina Brasileira de Projetos de Infraestrutura Social e Econômica (OBPI), destaca que a eficiência é o grande ponto a ser observado em uma Parceria Público-Privada, ainda mais num cenário de escassez financeira. “O Governo não terá recursos novos para aplicar, então o ideal é destinar as despesas já existentes a projetos que tragam mais eficiência naquela área. Isso é o que justifica uma PPP por parte do poder público”, comenta.
Como forma de conseguir captar bons investimentos através de PPPs, André também menciona que um dos desafios do poder público é criar um ambiente institucional de atração e de boa recepção para com a iniciativa privada, demonstrando que há o interesse e a boa vontade em fazer as parcerias acontecerem.
“Neste aspecto, creio que o Ceará é atrativo, pois tem um histórico positivo com as empresas que o procuram. Há, portanto, uma ambiência positiva no Estado, que também é financeiramente bem administrado. Isso não quer dizer que não há desafios a serem superados, como a severa restrição fiscal e a burocracia presente em praticamente todos os estados brasileiros”, comenta André Barbosa.
Outro ponto destacado por André é que os projetos de PPPs devem ser bem assessorados para evitar a perda de tempo e de recursos em ideias que não sejam efetivamente viáveis. Segundo ele, é preciso deixar de lado o “excesso de otimismo” e focar em questões técnicas para que as parcerias possam prosperar.
“A chave do sucesso é a gente procurar ao máximo a viabilidade daquele projeto, fazendo uma análise minuciosa dos riscos e das especificidades do possível contrato. É preciso ter a certeza de que aquela configuração é realmente factível, pois não há mais tempo ou recursos para se investir em hipóteses”, finaliza.
Fonte: TrendsCe em 17.07.2020