Redes, paradiplomacia e negócios internacionais no Ceará
Reescrevo e atualizo um artigo que preparei em setembro do ano passado para a Trends (veja aqui) e onde abordo um estudo que o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) realizou com o governo federal associado a uma série de reuniões no Brasil para debater a atuação dos governos locais na promoção do comércio exterior e atração de investimento estrangeiro. Tive a oportunidade de participar desse debate e tomar nota de alguns pontos que compartilho neste artigo.
É cada vez mais significativo o papel dos governos subnacionais na atração de investimentos e promoção do comércio exterior. É o que diz, por exemplo, um estudo da Universidade de Columbia. Existem cerca de 8 mil agências subnacionais de promoção de comércio e investimentos no mundo. Ou seja, 50 agências subnacionais para cada agência nacional. No Brasil, não é diferente. Estima-se que 22 Estados e 366 municípios possuem algum tipo de órgão que trata de relações internacionais.
Nada mais natural numa economia globalizada, onde algumas startups nascem para ser globais, o turismo se tornou uma importante fonte de poupança externa e as metrópoles avançam na concentração das populações e da economia. Com pouco mais de 84% da população brasileira vivendo em áreas urbanas, os governos estaduais e das regiões metropolitanas não podem ignorar essa tendência mundial nem subestimar as suas vantagens comparativas na promoção comercial e atração de investimentos.
Além do mais, estados e municípios estão melhor preparados para endereçar questões relevantes para o investidor, tais como licenciamento ambiental, fornecimento de utilities, site location, entre outros. Os governos locais também têm um bom histórico em trabalhar com o setor privado, já que algumas agências locais são diretamente financiadas e apoiadas por empresas a nível municipal.
Um bom exemplo desse fenômeno é a Greater Houston Partnership, organização que trabalha com o governo da cidade para representar as oportunidades econômicas de Houston, e é composta por 1.200 empresas. Trazendo nossa experiencia cearense associada a esse exemplo, saliento a articulação executada pelas Secretarias de Assuntos Internacionais do Estado e da Prefeitura de Fortaleza, bem como pela Câmara Setorial de Comércio Exterior e Investimentos Estrangeiros da ADECE/SEDET e por instituições como a Câmara Brasil Portugal no Ceará, o SEBRAE, FECOMÉRCIO e FIEC, e ainda a rede de consulados estrangeiros em Fortaleza e outras Câmaras de Comércio. Juntas, revelam bem as vantagens da associação público-privada na promoção do comércio exterior e atração de investimentos estrangeiros para o Ceará.
O projeto Ceará Global, criado há quatro anos numa concertação público-privada é melhor mostra disso, pois transcende a ação de governos, porque mantêm vínculos estratégicos e transversais e atua numa lógica de redes, conseguindo resultados onde a diplomacia de Estado, por ser uma instância formal, pode ter dificuldades de alcançar. A recente implementação da governança do Ceará Global permitirá ampliar o esforço de divulgação internacional do nosso ambiente de negócios através do LinkedIn e implementar a rede de ambassadors, formada por cearenses e amigos do Ceará distribuidos pelo mundo, seguindo o mesmo exemplo do que Portugal faz através da sua diáspora para chamar a atenção do capital estrangeiro para o novo Portugal.
Entretanto, o grande desafio é identificar a melhor estrutura e características para performar as melhores entregas. O BID apontou em sua análise sobre o ambiente da paradiplomacia brasileira, uma série de indicadores que podem revelar a melhor forma de exercício dessa atividade por parte de estados e municípios e que está basicamente fundada nos seguintes pressupostos:
- Competências legais,
- Existência de estratégias e programas em comércio e atração de investimentos,
- Capacidade institucional,
- Capacidade de adoção de mecanismos de promoção,
- Nível de relacionamento com governos estrangeiros,
- Disponibilidade de recursos humanos, e Capacidade orçamentária.
Além disso, o BID também aponta que pouco disso adianta se a avaliação da performance não for executada e se não forem medidos o impacto social e ambiental dos investimentos atraídos por estados e municípios.
Trazendo para a nossa realidade, se articulações como a Câmara Setorial de Comércio Exterior e IED e o Projeto Ceará Global são evidências positivas, a ausência de uma coordenação entre os municípios da grande Fortaleza é, sem dúvida, uma das mais visíveis ineficiências do nosso processo de desenvolvimento regional, qualquer que seja a perspectiva, visto que o corredor do desenvolvimento da Grande Fortaleza passa pela vital necessidade de sinergias entre, pelo menos, os municípios vizinhos do Eusébio, Aquiraz, Maracanaú, São Gonçalo do Amarante e Caucaia. A Autarquia da Região Metropolitana de Fortaleza – AUMEF, criada em 1975 e extinta em 1992, faz falta. Essa estrutura seria importante para debater e propor oportunidades para a grande Fortaleza, a principal metrópole de influência regional no norte-nordeste do Brasil, conectada à vida de mais de 20 milhões de brasileiros e estrategicamente situada à margem do Atlântico Sul, equidistante da América do Norte, Europa e África.
Uma última nota, ainda, sobre o que parece ser importante para promover uma melhor inserção internacional do Ceará: a compreensão do nosso ecossistema de negócios internacionais e suas conexões no exterior. Isso é vital para subsidiar uma estratégia de internacionaliza da economia do Ceará. Sobre isso, destaco uma iniciativa da Câmara Brasil Portugal que realiza anualmente sobre ingresso de IED no Ceará. A partir dela, é possível visualizar um cruzamento entre empresas cearenses com capital estrangeiro e empresas engajadas em comércio exterior. Essa coneção entre Comex e IED é estratégica. Numa visão ecossistêmica do nosso ambiente de negócios não basta perceber os elementos, é vitar perceber a relação entre esses elementos.
Mas falta ainda observação mais robusta envolvendo os próprios empreendedores, como sugerida na matriz difundida pelo modelo de Uppsala revisado, que destaca e valoriza as relações bilaterais do entrepreneur, e a interdependência entre empresa, a partir do momento em que o processo de internacionalização é visto como rede. O conhecimento gerado por meio desta conexão em rede causa um acúmulo de conhecimento que envolve desde recursos e capacidade estratégica, e, esta interação fornece a empresa uma fonte de informações comerciais relevantes.
Enfim, é isso. Precisamos avançar em governança e visão ecossistêmica.
Artigo Rômulo Alexandre Soares